As Forças Armadas devem se libertar de suspeitas e garantir a defesa do país, afirma ministro da Defesa

No desejo de “virar a página”, Múcio às vezes exagera e inverte os papéis. Em sua fala sobre o envolvimento militar no dia 8 de janeiro, ele diz que “A própria Justiça vai dizer quem são os outros nomes. E nós – vou falar como se fosse Forças Armadas – vamos tomar as nossas providências, porque nós precisamos nos libertar dessa suspeição”. Empolgado, ele declara: “Graças aos militares nós não tivemos um golpe. Como é um golpe de Estado? As Forças vão na frente, o povo vem atrás apoiando. Aqui era muito fácil: o povo foi na frente. Os militares poderiam dizer que estavam acompanhando o que o povo queria”.

Múcio, desejando ser parte das Forças Armadas, parece confundir sua missão como ministro do governo para a Defesa, não como ministro das Forças Armadas para o governo. Ele atribui a derrota do golpe do dia 8 de janeiro àqueles que insistiram em manter acampamentos golpistas intactos (como ele próprio insistiu) e àqueles que chegaram a mobilizar tanques para defender os golpistas. O povo só “foi na frente” porque as Forças Armadas asseguraram, a todo momento, a retaguarda.

É perigoso o hábito de apagar as responsabilidades militares ou supor que elas podem ser apaziguadas com mera encenação. Não raramente, demonstrações organizadas pelos civis com o intuito de estimular a concórdia e a harmonia com os militares são vistas com desprezo por estes últimos, passando a servir apenas como um jogo de cena militar.

Devemos lembrar que as mesmas tropas portuguesas que buscavam forçar a ida de d. Pedro I para Portugal em 1822 e que os 10 mil no Campo de Santana estavam dispostos a enfrentar haviam conspirado menos de um ano antes, com o apoio de d. Pedro I, para que seu pai, d. João, jurasse as bases da Constituição portuguesa e partisse para a metrópole. No fim das contas, foram essas tropas que tomaram o poder de d. Pedro I: “Durante o ano de 1821, essas forças – representadas pela divisão auxiliadora – seriam os verdadeiros agentes das Cortes no Rio de Janeiro”, escreveu Isabel Lustosa. Elas até mesmo forçaram a demissão de ministros civis com o ultimato militar de 5 de julho de 1821.

O que impediu que as tropas de Avilez, em janeiro de 1822, forçassem Pedro a fazer o mesmo que fizeram a João não foram as demonstrações públicas, os sons, a pompa, o desfile ou mesmo o certo tédio dos 10 mil no Campo de Santana. A verdadeira razão foi que, “armados como podiam”, “entre eles marchavam roceiros, agregados, negros forros, escravos, frades, eclesiásticos e muitos portugueses, empunhando facas, cacetes, clavinotes, prontos para enfrentar a divisão portuguesa”. A história brasileira registra que, diante dos militares, a disposição para o confronto mereceu mais respeito do que o desejo de pactuação.

Em suma, Múcio precisa entender que sua função como ministro do governo é defender o país e a democracia, não servir às vontades das Forças Armadas. E é importante não esquecer as lições do passado, para que não se repitam os erros cometidos.

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